O The Dungeon (o calabouço) na Muscle Beach (praia dos músculos) era pequeno. Quase não havia espaço para caminhar lá dentro. Localizada na esquina da Fourth com a Broadway em Santa Mônica, Califórnia, o The Dungeon era um famoso ginásio para alguns dos mais famosos e mais fortes dos fisiculturistas.
Escuro e sujo, o The Dungeon também era bastante fedorento, pois ficava situado em um porão debaixo de um velho hotel onde tinha uma choperia.
Os Verões da Califórnia
Durante os quentes verões da Califórnia, as torneiras dos velhos barris de chope vazavam e eventualmente a bebida escorreria pelas rachaduras do chão até o The Dungeon. Durante o inverno, quando chovia, as paredes e chão umedeciam, e rapidamente, os odores espessos de cerveja velha e mofo, misturados com cheiros de suor novo e velho, davam ao Calabouço um aroma mais do que incomum. Ninguém que passava pelo lado de fora, entretanto, parecia notar.
O The Dungeon não tinha nenhum equipamento caprichado. Nenhuma máquina Universal ou Paramount e, claro que, Nautilus ainda era nada mais que uma concha do mar, desde que nós estamos falando sobre os anos 60. Não havia nenhuma luz do dia no The Dungeon. A Iluminação era fornecida por quatro fileiras de lâmpadas incandescentes. Os bancos não eram acolchoados. Cordas de varal serviam como cabos, não havia nem mesmo um hack ou máquina de leg press, e a maioria dos equipamentos oscilava ao sabor de pregos e parafusos enferrujados.
Mas, oh, os corpos que saíram do The Dungeon!
George Eiferman trouxe Dave Draper pela primeira vez até o The Dungeon em 1962. Um Sujeito corpulento então, Draper era reverenciado. Steve Reeves treinava lá quando ele vinha até a cidade. Assim o próprio Eiferman e Zabo e Hugo Labra, Bill McCardle, Gene Shuey e os monstros Steve Marjanian and Chuck Ahrens. Depois, quando Draper veio de Nova Jersey até a Califórnia para trabalhar com Joe Weider, ele se juntou ao time do The Dungeon – por $48 ao ano – para levantar os estranhos e pesados halteres que produziram campeões.
Já foi dito que toda geração olha para o passado almejando pelos bons e velhos tempos. O mesmo é verdade para com o nosso esporte. Dave Draper considera os anos sessenta como a era dourada do bodybuilding, a idade romântica do ferro quando a camaradagem e a simplicidade do bodybuilding estavam em seu zênite. Era a época em que Joe Weider, Treinador dos Campeões, batizou Draper como o “Blond Bomber”.
Ah sim, os anos sessenta – quando Colbert, Ross, Grimek, Reeves, Eiferman e Tanny deram espaço para Bill Pearl, Reg Park, Larry Scott, Wayne, Oliva, Draper e Schwarzenegger. O modo como Draper vê isto, a era dourada do bodybuilding começou a ir embora quando Oliva e Schwarzenegger deixaram de duelar, e terminou completamente quando Arnold se aposentou em 1975 depois que ganhou seis Mr. Olympias sucessivos.
Os anos 70
Pelo meio dos anos setenta, a ilusão do bodybuilding deu lugar à realidade do bodybuilding. Até essa época, hormônios anabólicos eram um “suplemento secreto” usado por um exclusivo grupo de elite em dosagens limitadas. O surgimento do esteróide nos anos setenta mudou as faces (e fígados) dos fisiculturistas para sempre.
O Esteróide deu ao medíocre a chance de alcançar a fama passageira.
Dave Draper despede-se dos velhos tempos, o doce chamado da sirene dos anos sessenta. Nos dias em que a revista Muscle Builder do Joe Weider caracterizou o Blond Bomber como tudo o que um jovem poderia ser como fisiculturista, e que o esporte dos ferros realmente era mais amigável, mais simples e mais romântico em estilo de vida, nutrição e treinamento. O The Dungeon poderia sobreviver hoje na era do Cybex e do Myotech?
Nos anos sessenta, antes da ênfase extrema em ficar rasgado até os ossos, o bodybuilding era divertido. Havia poucos sofrimentos, drogas eram algo sobre o que o Timothy Leary falava, e o hormônio do crescimento ainda era enterrado com o morto. Nos anos 60 os fisiculturistas erguiam pesos pesados, mas eles também erguiam pesados e gotejantes filés. Eles não mediam as doses de proteína em pó, eles cavavam isto de dentro do pote com a colher.
Os Fundamentos
Os fundamentos nutricionais poderiam ser descritos em poucas palavras, ” coma muita proteína “. E Draper fazia isso – algo em torno de 400 a 500 gramas por dia. Isso significava muitas calorias também. Por conseguinte, os fisiculturistas dos anos sessenta eram grandes e fortes. Oliva, Schwarzenegger, Ferrigno, Katz e Draper eram os maiores fisiculturistas de todos os tempos.
Para testemunhar sobre a simplicidade dos anos sessenta, em comparação a hoje, os fisiculturistas falavam então sobre o Crash Weight Gain #7 e sobre o Weider’s Super Pro 101. Pro Inferno, não tinha nem mesmo legislações sobre os suplementos para ganho de peso! Hoje, ao assistir a um seminário sobre o bodybuilding e você ouvirá falar de aminoácidos de forma livre, aminoácidos de cadeia ramificada, sucinatos, trigliceridios de cadeia média, polímeros ramificados de glicose, carga de sódio e de glicogênio. Você ouvirá sobre suplementos praticamente esotéricos como extrato de yohimbe.
Os fisiculturista daquela época sabiam obter tudo isso em bifes, ovos e leite.
Naquela época, a ciência dos esteróides anabólicos chamava-se Dianabol. Hoje nós temos esteróides projetados – uns para ganhar densidade, outros para ganhar tamanho, outros para ganhar força. Há um italiano que supostamente até mesmo constrói músculos isoladamente. Alguns malucos da Europa declaram conseguir produzir até mesmo a hiperplasia das fibras musculares com sondas elétricas. Não é de se admirar que Dave Draper prefira os anos sessenta!?
Foi no The Dungeon, entrincheirado debaixo daquele velho hotel em Santa Mônica, entre 1963 e 1967, que Dave Draper construiu um dos maiores físicos de todos os tempo. Ele treinava com um gasto enorme de energia, abastecido por milhares de calorias. Ele treinava seis dias por semana das 6 às 9 da manhã. O The Dungeon tinha rústicos e enferrujados vestígios de equipamentos de uso ao ar livre da velha Muscle Beach. Era tudo o que um cara podia esperar que um ginásio deveria ser.
Entre os anos de 1963 a 1967, Draper transformou-se, de uma bola de praia de 117 kg, em um touro de 104 kg. Na segunda competição de sua vida, o IFBB Mr. America de 1965, ele ganhou em primeiro lugar. Só isso já o lançou ao corredor da fama do império Weider. Em 1966, ele entrou no IFBB Mr. Universo, sua terceira competição, e ele a venceu. Ele era o favorito no Mr Olympia 1967, mas Sérgio Oliva levou o título. Não havia nenhuma dúvida de que o treinamento que Draper fazia era algo incomum. Ele o construiu próprio físico, rapidamente e eficientemente com alguns dos equipamentos mais toscos que já existiram!!
O Treinamento
O treinamento no The Dungeon era rápido, duro e pesado. Quase toda série era um teste de força ou um recorde de resistência. Ele e seu parceiro de treinamento Dick Sweet constantemente desafiavam-se um ao outro – durante toda a sessão de três horas inteiras.
Apesar do arsenal de aditivos de energia e drogas disponíveis hoje em dia, eu me atreveria a afirmar que a maioria dos fisiculturistas modernos alcançariam o overtraining se seguissem o programa de treinamento de Draper.
Os fisiculturistas de hoje não comem gordura o bastante para energia a longo prazo, suas calorias são muito baixas e eles não descansam nem relaxam o suficiente. Em geral eles também carecem de paciência. Além disso, os sujeitos no The Dungeon nunca se aborreceram com sujeitos reclamando que estavam em overtraining. Nessa época não existia tal coisa.
Draper programou seu treinamento de forma que ele treinasse cada músculo três vezes por semana. Em dia um ele trabalharia Peito, Dorsais e ombros. No próximo dia vinha de abdominais, bíceps, tríceps e pernas. Ele fazia um número enorme de séries, de 20 a 30 por parte do corpo. Isso poderia significar mais de 80 séries em cada treinamento!
Draper era um laboratório de testes para muitas das idéias de Joe Weider, antes que elas fizessem parte do sistema Weider, coisas como super-séries e repetições roubadas. Draper realizava quase que seu programa inteiro com super-séries e com isso, tornou-se bastante volumoso (é interessante notar que Sérgio Oliva fazia a mesma coisas e ainda o faz hoje).
Para seus 135 cm de tórax (no filme de 1966, não Faça Ondas, Sharon Tate – que depois foi assassinada pela família Manson – desmaiou sobre seus peitorais), Draper começava com cinco super-séries de supino com pegada aberta e de supino fechado. Ele também usava o princípio Weider do treinamento Pirâmide enquanto mantinha suas repetições entre 6 e 8.
Nesse momento em sua carreira, ele poderia exibir um supino de mais de 202 Kgs e desenvolvimento frontal com 135 kg. Draper era um sujeito forte. Ele estava entre os caras mais fortes, Ahrens, Casey e Marjanian que transitavam pelo The Dungeon.
As Cinco Super-séries
Depois de realizadas as cinco superséries, Draper seguia com mais cinco de supino inclinado com halteres e crucifixo no banco horizontal. Ele chegava até os 68 kgs no supino inclinado. Se você pensa que isso é muito (e é!)! Draper recorda-se com saudade de observar Pat Casey fazendo o mesmo exercício com um par de halteres de 100 kgs. É claro que Casey foi o primeiro homem a oficialmente levantar 270 kgs no supino. Draper também se lembra de observar Chuck Ahrens fazendo desenvolvimento sentado, com um par de halteres de 72 kgs.
Com tal inspiração em mente, Draper procedeu então em bombardear seus fenomenais dorsais, que Arnold considerava os melhores no esporte. Dave começava com cinco super-séries de remada curvado com pegada aberta, e pullôveres com os braços estendidos para 6 a 8 repetições. Seguindo isto ele fazia o que alguns considerariam uma super-série incomum, cinco séries de desenvolvimento por trás do pescoço com cinco séries de puxada em barra fixa, por trás do pescoço e com pegada aberta.
Aqui ele empurraria suas repetições até 12 ou algo assim. Ainda não era o fim, apesar do super congestionamento de sangue em seus músculos, Draper tinha um pouco mais de super-séries para fazer. Desta vez, eram cinco séries de 12 a 15 repetições de remada na polia baixa, acompanhadas de puxadas na polia alta. Em ambos os exercícios, o Blond Bomber nem pensava em fazer suas repetições com algo menos que 135 kgs!
Já tendo pré exaurido seus deltóides posteriores com remadas e desenvolvimentos por trás, Draper começava seu treinamento de ombros com desenvolvimento sentado, com halteres, desta vez, sem super-séries. Ele fazia questão de trabalhar com pelo menos 47 kgs para 6 a 8 repetições controladas. Rapidamente retornava ao estilo Draper convencional, super-séries que na verdade eram séries compostas (uma super-série para a mesma parte do corpo).
Ele fazia cinco séries pesadas, de elevações laterais roubadas, seguidas de cinco séries do mesmo exercício realizadas com técnica super correta, com as costas encostadas em uma coluna do ginásio. Nas suas séries roubadas ele usava 27 kgs, para as repetições corretas, ele usaria 14 kg.
Draper era conhecido por ter o maior par de deltóides do fisiculturismo. Não se espante. Draper e Sweet moviam-se através de seu treinamento pesado como um ciclone do Kansas através de um camping de trailers. Eles destruiam os próprios corpos, mas recebiam de volta a recompensa por seus treinamentos.
Durante seus treinamentos, Draper nunca pensava em coisas externas. Ele via-se a sí mesmo como um eixo de caminhão, espesso e denso. Descanso? Draper e Sweet só descansavam tempo o suficiente para recuperar o fôlego entre os exercícios. Desse modo eles não tinham tempo para pensar em qualquer outra coisa.
O Segundo dia começava com abdominais. Draper sempre se aquecia nesse dia com algumas super-séries de flexões na prancha inclinada seguidas de elevações de pernas. Ele sempre mantinha sua cintura pequena fazendo isso (nos anos 60, o abdominais e as pernas vinham em segundo lugar depois dos braços, peitorais e ombros).
Draper partia para o trabalho de bíceps fazendo 15 séries, no que consistia em cinco séries de cada um dos seguintes exercícios: rosca direta (6 a 8 repetições), rosca inclinada com halteres (6 a 8 repetições) e a rosca scott (8 a 10 repetições). Ele terminaria com cinco séries de altas repetições de rosca de punho. Os braços de Draper estavam ao redor 52,5 cm, e no seu auge eles tinham um pico surpreendente. Porém, tríceps eram seu ponto fraco.
Draper quase sempre fazia 25 séries para esses músculos. Ele começava com cinco super-séries de rosca francesa na polia baixa, usando uma corda como empunhadura (fazia esse exercício sentado em um banco com apoio para as costas) seguidas de extensões convencionais de tríceps na polia alta. Ele mantinha as repetições na faixa das 12 a 15 para melhorar o bombeamento dos tríceps. Sua próxima super-série era de tríceps-testa com uma barra W e rosca francesa na polia baixa, ambos para 10 a 15 repetições.
Draper fazia questão de terminar seu trabalho de tríceps com mergulhos nas barras paralela. Embora ele tenha visto Pat Casey, que pesava 144 kg, fazer 10 repetições com 135 kgs amarrados ao redor da cintura, Draper não fazia desse jeito! Ele fazia cinco séries de tantas repetições quantas ele pudesse só com o peso corporal. E isso funcionava bem o bastante.
O Treinamento de Perna
As pernas vinham em seguida. Draper usava o princípio Weider deTreinamento Pirâmide no exercício de agachamento para ganhar massa. Normalmente ele ia além de sete ou oito séries (não contando as séries leves de aquecimento) da seguinte maneira:
158 Kg. x 10 repetições
169 Kg. x 8 repetições
180 Kg. x 6 repetições
192 Kg. x 4 repetições
203 Kg. x 2 repetições
158 Kg. x 10 repetições
158 Kg. x 10 repetições
Seguindo o agachamento, ele fazia 5 a 6 séries de extensões de perna e flexão de perna com tanto peso quanto ele podia acumular, para 10 a 15 repetições.
Ele terminaria o bombardeio das pernas com 10 séries de 12 a 15 repetições Elevação na ponta dos pés, no exercício “burrico”.
Com sua intensa atitude e treinamento pesado no The Dungeon, Dave moldou um físico de categoria mundial, em um rápido período de tempo. Embora ele tenha ganho o Mr. América e o Mr. Universo em sua meteórica ascensão, sua aposentadoria veio da mesma maneira, rapidamente – mas isso foi sua escolha pessoal.
A Emoção
Para Dave Draper houve uma transição no bodybuilding entre o final dos anos sessenta e o início dos anos setenta. A emoção estava enfraquecendo rapidamente. Ele disse: ” Por volta de 1968 eu fui me desiludindo. Eu cresci durante a era romântica do bodybuilding, com as pessoas que treinavam no The Dungeon. Nós acreditávamos que as coisas mais importantes da vida eram treinar pesado, comer bem e bronzear-se ao sol. Naqueles dias, os fisiculturistas viajavam juntos de carona durante dias, passando de praia em praia, só para assistir a uma competição de físico.”
Draper continua: “Atitudes significam muito para mim e elas mudaram drasticamente. O fisiculturismo competitivo tornou-se complicado. Agora há preocupação demais com o tamanho dos músculos e menos camaradagem do que antes. As coisas eram mais simples. Você posava com a música escolhida pelo organizador da competição. De repente todo mundo teve que começar a preparar as músicas e as rotinas. Eu achava muito melhor do modo como era antes, mas apesar disso, eu ainda treino. Eu desliguei minha mente para fora do bodybuilding depois disso “.
Draper foi vencer o Mr. Universo de 1970 (depois de treinar oito semanas), mas nunca foi novamente a mesma coisa para ele. Ele aposentou-se oficialmente, para tornar-se uma lenda, em 1970.
Draper busca a paz consigo mesmo, depois de batalhar contra demônios pessoais durante anos. Ele é mais sábio, mais maduro e ainda mantém-se numa forma incrível. Ele ama treinar, mas o que ele mais aprecia em sua vida é a bela casa construída por ele mesmo em Santa Cruz, passar o tempo com os amigos, e suas recordações da era romântica do bodybuilding.
Nos dourados anos sessenta, quando o Blond Bomber era o rei, ele bombardeava no The Dungeon, e construiu um dos maiores físicos de todos os tempos.
Tradução e adaptação: Gabriel Ortiz