A cabeça vazia, a geladeira cheia de coisas que eu não me permito comer. Às vezes, o processo é meio estilo bulimia: você faz e depois compensa. Você passa a vida inteira assim, fazendo merda e compensando. O desequilíbrio desse esporte, às vezes, não sei se te ajuda a entrar nos trilhos ou se te consome na poeira que o trem deixa para trás a mil milhas por hora. Esse comportamento bulímico é muito comum entre bodybuilders. Comer o que eles chamam de “lixo” e se matar de treinar depois.
Quem foi que disse que esse esporte era saudável mesmo? Alguns poucos podem conseguir fazer isso de forma saudável. No meu caso, é sempre cheio de altos e baixos. Depois de um campeonato, então, tudo piora. Você não se vê igual, não tem a mesma motivação, e a dor que você passou te relembra que talvez não queira fazer tudo de novo, mas você vai lá e faz tudo de novo.
É tudo de novo, trabalho constante. A vida é feita de três pilares, dizem: dor, incerteza e trabalho constante. Pois isso nunca foi tão real pra mim. A dor da vida, a dor das perdas, a dor da fome, do treino pesado. A incerteza da vida, do futuro, do campeonato, do troféu, e o trabalho que não para. Não há uma linha de chegada, e talvez eu faça isso para sobreviver à existência que parece vazia e pesada. Talvez eu erga pesos pesados para a vida se tornar menos pesada. Acho que é isso…
Às vezes, você entra num labirinto e não sabe como sair dele. As dores do passado, os traumas, os ressentimentos… Você vive se consumindo nisso. E nesse esporte, você tem atenção plena ao que está fazendo (chamam isso de mindfulness). Você esquece tudo isso, nem que seja durante as séries. Embaixo de uma barra de 200kg, você não lembra do bullying que sofreu, ou do seu pai batendo na sua mãe. Você só pensa em como vai sair debaixo dessa barra, ou ela vai esmagar você.
E a barra também é a vida. Como você a levanta? Como você sai debaixo dela e consegue fazer mais uma repetição? Como você consegue os resultados que quer: aquele centímetro a mais ou a menos, aquele certo aspecto? Como você se transforma? Eu deixo essas palavras fluírem sem tecnicismos, pois disso já estamos cheios. Cheios de gente copiando e colando informação e se dizendo influenciador de algo.
O que essas pessoas estão influenciando? Cabeças vazias que não percebem a profundidade do que eu digo, a transição, a extrapolação do ferro que não canso de repetir. O ferro é imutável. Frio. Implacável. Ele não liga para quantos seguidores ou para a fama que você tem. Ele não liga para quantos seguidores você tem. Se você não consegue colocar 70kg de cada lado no supino, não há o que faça, a não ser que você desbloqueie sua mente para isso. Com drogas é mais fácil, porém, com isso, se agregam mais riscos.
Eu criei uma frase que acho muito verdadeira: “Os esteróides anabolizantes são as novas drogas recreativas.” Hoje em dia, você consegue mais aceitação e mídia tendo um certo porte, volume e definição. Quanto mais jovem e mais musculado, mais holofotes você terá, se trabalhar bem suas mídias sociais e fizer o papel de palhaço, entrando em todas as trends e fazendo tudo o que o algoritmo manda para você subir.
Caminho pelo ginásio e vejo todos esses adolescentes bloqueados para o trabalho duro de verdade. Eles querem estética. Querem uma certa aparência, não querem se desafiar. Tiram mais fotos no espelho que fazem séries efetivas. Buscam o caminho mais fácil, o número de séries mais baixo, o cardio que não dói, a posição biomecanicamente mais adaptada, mas não fazem o básico: se desafiar. Você vê quem se desafia pelas pernas que tem. Isso separa os homens dos meninos.
Treinar perna, como dizia Tom Platz, é uma experiência transcendental. Hipnótica, dolorosa. Você vive essa dor, busca essa dor. Mas, ao mesmo tempo, essa dor te consome e te deixa alienado. Agora, você só pensa nisso. Está obcecado. Daí começa o uso de drogas por estética, por propaganda. E isso só piora seu caso de saúde mental. Você terá a atenção que lhe prometeram, talvez, se conseguir aquele certo aspecto. Terá os holofotes por um tempo, se ganhar alguns campeonatos, se se destacar. Quem sabe? Mas qual o preço que sua família vai pagar por isso?
Eu digo “sua família”, porque, ao final, quem sofre são eles. Você está obcecado demais para se auto perceber como indivíduo e para ligar para sua saúde física ou mental. Você só quer o tamanho. O aspecto. Você enfia qualquer coisa em você para atingir isso, paga o preço que for. Isso te dá energia, te dá o combustível. A cada picada, você fica maior, se recupera melhor e treina com mais força. Sem isso, você não é mais ninguém. E é aí que a droga te dominou.
Se você quer sucesso nisso, busque o equilíbrio. O balanço. Não foda sua saúde física, e talvez a mais importante, a mental, por um troféu de plástico. Um jovem de 19 anos morreu de ataque cardíaco esses dias, cheio de ginecomastia e um sonho na cabeça. Prometeram-lhe fama, fortuna, sucesso nesse esporte, mas este é cheio de ilusão e vaidade. Cada vez mais jovens morrem atrás do ouro de tolo que se tornou o bodybuilding mainstream. E cada vez mais vão cair. Pela propaganda, pelo mau incentivo, pela tolice e pela ganância.