Preludio

Publicado: 29 de Junho de 2015 em: O Ferro

Garotos mimados com suas garrafinhas e fones mais coloridos que seus potes de suplementos que custam quase um salário mínimo. Alienados seguindo o modismo das modalidades de treinamento resistido com pesos. Eles se acumulam dependurados nas polias como pombos. Não sei porquê esses insetos adoram as polias. Talvez porque não tenham que colocar e retirar pesos de barras, calejar as mãos ou se equilibrar…

Eles estão aos montes tirando fotos, chacoalhando seus todynhos em garrafas “neon”, ocupando os equipamentos e executando movimentos com forma parca. Sem resultado de verão em verão procurando a pílula mágica ou o crescimento instantâneo. Enriquecendo o mercado underground de drogas subdosadas e sendo levianamente levados ao engano de que apenas com drogas serão melhores.

Respiro esse ar doentio com cheiro de álcool e sucralose e sinto ânsia de vômito. Quando poderei treinar em um lugar onde é possível usar cargas pesadas, halteres pesados… sem olhares, sem inveja, sem intriga. Apenas treino. Quando poderei soltar um peso ao chão sem estar na moda em um box de “crossfit“? Estou cansado e sem forças. Um verdadeiro centro de treinamento simplesmente inexiste, e se existisse, seria algo para a moda com um valor absurdo. Meu Deus, porque o dinheiro é a força motriz de tudo e de todos?

Lembro de um trecho do artigo Intensidade Ou Insanidade, onde o frequentador da academia de Steve Michalik deixa de pagar a mensalidade, e o insano Steve apenas martela o carro do cara falando que está pago! Ou seja, não é pelo dinheiro em si, mas pelo custo. Não é pelo poder, não é pela ganância, não é pelo ato sujo de ver na promoção da saúde uma forma fácil de ganhar dinheiro de gente desesperada, que acha que apenas PAGANDO a droga da academia e tendo um cartão de acesso estará mais próxima de um conceito famigerado de bem estar.

Esse espírito morreu, e está enterrado junto com Vince Gironda, Steve Michalik, Joe Gold, e todos que um dia sonharam com um espaço para levantar peso. Apenas isso. Falo de força pura e ancestral. Enterrada com os fantasmas das lendas que um dia pisaram na terra e tinham apenas o desejo latente de se superar e levantar pesos.

Levantar-se todos os dias e tentar juntar todos os potes que você precisa comer no dia não parece uma tarefa muito fácil ultimamente. Vendo toda essa moda que alastra os ginásios e as ruas as vezes me dá vontade de fazer tudo o inverso, só para não estar inserido nessa futilidade toda. Mas olho o físico que construí naturalmente ao longo de todo esse tempo e desisto da ideia.

Ser mais um me irrita. Por isso escolhi o fisiculturismo natural. Pra não ser igual a todos os que se denominam fisiculturistas. Comer igual a todo mundo, que é comer batata doce, que é fazer dieta, hoje me irrita. Antigamente era bom, pois ninguém fazia, ou poucos insanos que realmente treinavam com pesos faziam. Hoje em dia a onda é carregar sua comida em bolsinhas styles e chacoalhar suplementos. Maldita hora que a musculação virou alvo dos sites de fofocas. Sabia quando vi em uma matéria uma garrafinha da Probiótica na mão da “Débora Seco” que isso ia dar merda. Eu sabia que uma hora ou outra tudo isso ia virar moda, não só porque é uma atividade importante, mas porque as pessoas querem dizer que são esforçadas.

O que é esforço? É uma percepção tão subjetiva, é algo tão pessoal que para alguém pode ser apenas levantar da cama. Você dirá que essa pessoa não se esforça, porque não é rica, porque é gorda, porque não tem a expectativa de sucesso que você impõe, mas você realmente não entende o que é a palavra esforço.

Levantar da cama hoje foi um puta esforço. O frio parecia congelar todas as lesões articulares do meu corpo. Adentrava cada nervo pinçado, cada tendão inflamado. Entenda, as lesões são comuns em treinamento de alta intensidade, se você nunca se lesionou nunca treinou pesado o suficiente.

Entrar naquela lata gelada e dirigir até o trabalho foi tão cansativo quanto levantar, principalmente depois de um treino de costas tão pesado como o de ontem, no qual voltei a fazer o levantamento terra. 160kg é muito pouco para o que eu já carreguei, mas para voltar você precisa de tanta humildade quanto para começar. Recomeçar é duro. Refazer o trabalho já feito há tento tempo. Mas acontece. Alguma lesão, algum motivo de força maior… Agachar com os velhos 200kg não parece tarefa tão fácil quando sua rotina está cansativa a ponto de querer matar todos no trânsito que falam no celular enquanto dirigem atrapalhando seu caminho. Seu tempo é pouco, suas tarefas muitas. E ainda depois de todo esse stress colocar a barra fria nas costas e explodir suas pernas.

E é sempre assim: Conseguir forças de onde não se tem. Fazer o que a maioria não faz, isso que mostra a diferença. Mesmo sem tempo, mesmo cansado, mesmo stressado, mesmo quando a maioria iria pensar em desistir continuar. Mesmo se todas as refeições não foram feitas, mesmo se estou em jejum, morto, acabado… O trabalho precisa ser feito. O treino não é 30% e a dieta 70%, isso é um monte de merda. O esforço é 100%.

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